Só os muitos otários e alienados ainda acreditam no Mito(maníaco) que travestiu-se de Capitão Cloroquina durante a pandemia para produzir mais de 400.000 cadáveres evitáveis. Tem que ser um “suicidadão” e um “patriotário”, como dizia o poeta José Paulo Paes, para seguir sendo Bolsominion. Torna-se a cada dia mais explícito que nos últimos 4 anos (2019-2022) estamos sendo desgovernados por um “esquadrão de delinquentes” (como falou o mestre da cultura popular Antônio Nóbrega no espetáculo de encerramento do Brasileirado em 10/07).
Para além de 33 milhões de famintos e de um índice estratosférico de desemprego e de aniquilação dos direitos trabalhistas, para além da inflação galopante que incide sobre alimentos e combustíveis, para além dos discursos de ódio em várias vertentes (racismo, misoginia, homofobia, xenofobia e elogio da tortura e da ditadura), é também altamente corrupto o excrementíssimo regime de extrema-direita chefiado por um partícipe e beneficiário dos processos golpistas de 2016-2018 (impeachment sem crime de responsabilidade contra Dilma Rousseff seguido pelo lawfare que ocasiou o encarceramento ilegítimo e injusto de Lula em ano eleitoral para que não vencesse o pleito). Para tornar quase impossível a atitude perversa dos que continuam engolindo a lorota de que este é um governo “contra a corrupção”, estaremos publicando aqui uma tonelada de fatos constrangedores a respeito da delinquência bolsonarista.
São os fatos, e não apenas as convicções, que mostram que Jair O Genocida é o líder de um regime militarizado, neoliberal-autoritário, que longe de impoluto é um dos mais corruptos, incompetentes e assassinos da história da república. Sobre os atuais descaminhos da distopia brasilis, publicamos aqui os 4 primeiros capítulos da série “Corrupção Bolsonarista” que Conrado Hübner Mendes – Professor de direito constitucional da USP, doutor em direito e ciência política, membro do Observatório Pesquisa, Ciência e Liberdade (SBPC) – está publicando no jornal Folha De São Paulo:
Corrupção bolsonarista, capítulo 1
CONRADO HÜBNER MENDES
Acabou a mamata do grito “acabou a mamata”. Robotizado, voluntariamente desinformado e memeficado, o fiscal de mamata foi traído. Aquilo que foi vendido como governo sem corrupção se confirmou, para surpresa da velhinha de Taubaté, o seu contrário. Com esteroides.
Muitos dos que votam em Bolsonaro a contragosto e de nariz tampado, como dizem, organizam os polos da seguinte maneira: de um lado, a delinquência política de Bolsonaro e a ameaça à democracia; de outro, a corrupção encontrada durante o governo Lula.
Supõem que a prática de corrupção se ausentou desse governo. Que votar em Bolsonaro apesar da incivilidade, da violência e da ameaça holística, previne a corrupção do outro lado. Optariam pelo mal menor. Nessa equação marota, a corrupção bolsonarista não entra na conta. Fica escondida dentro do armário.
Entre democracia lulista com corrupção e autocracia bolsonarista sem corrupção, ficariam com a segunda. O único problema é que esse dilema não tem nenhuma conexão com os fatos. E para perceber o falso dilema você não precisa se convencer de que governos petistas foram impolutos. Precisa só de um pouco de curiosidade e honestidade. Se também tiver interesse pela democracia e pelo próprio combate à corrupção, ajuda.
Independentemente do que você sabe e pensa sobre práticas de corrupção de gestões passadas, ou de como avalia provas apresentadas e responsabilidades atribuídas, não se pode esconder o que já se sabe sobre a gestão Bolsonaro.
E o que já se sabe atravessa todo o espectro desse conceito abrangente chamado corrupção. Se corrupção importa no seu voto, vale entender melhor do que se trata. Na acepção que mais toca o fígado e desperta fúria e ódio, corrupção significa enriquecer ilegalmente com dinheiro público. Essa corrupção é crime.
E nessa acepção reducionista e popular do conceito, há evidências espalhadas pelas gavetas do sistema de justiça de como a carreira eleitoral bolsonarista se catapultou a partir dela. As rachadinhas, os assessores-fantasma, as compras de imóveis com mala de dinheiro, as franquias de chocolate.
Mas se quisermos superar a primeira infância do debate político e fazer justiça ao conceito de corrupção, entendida como sequestro da coisa pública pelo interesse privado, temos que ir muito além.
Nessa série da corrupção bolsonarista, os capítulos não podem deixar de abordar uma infinidade de práticas de corrupção institucional.
A normalização das decretações de sigilo até para cartão corporativo e matrícula escolar da filha do presidente; o orçamento secreto; o apagão de dados; o desvirtuamento ilegal de políticas públicas de educação, saúde, ambiente, cultura e direitos humanos.
Ou a inviabilização da investigação de corrupção; as práticas de captura e assédio; mercadores da cloroquina, tráfico de madeira, Bíblias do MEC, kits robótica; a omissão de autoridades em área do crime organizado onde sumiram Dom Phillips e Bruno Araújo.
A corrupção, curiosamente, às vezes sequer viola a lei. Ocorre quando o próprio texto legal traz regra reprodutora de estruturas de dominação econômica. A espoliação se legaliza. Ou quando intérpretes da lei contrabandeiam interpretação troncha em benefício próprio. Que nome tem a interpretação que o STF faz da Lei da Magistratura, das vedações a juízes, das regras de ética judicial ou do teto constitucional?
Quem não vota no PT pela corrupção, faz o que com a corrupção bolsonarista?
Pode desconversar, gritando “acabou a mamata” ou “nunca vou esquecer da Petrobras” ao infinito; pode dizer que a corrupção do PT foi a maior da história democrática universal, tese empiricamente não demonstrável (seja de quem for a corrupção alegada); pode falar que Bolsonaro nunca soube nem mesmo das práticas de sua própria família no passado e no presente; pode salientar que Bolsonaro fez concessões inescapáveis para governar.
Ou pode reconhecer que corrupção era o pretexto, o ódio era o subtexto, a irracionalidade coletiva era o contexto do que nos trouxe aqui. E aí descobrir que corrupção não se combate com messias nem com juiz herói, dublê de homem de bem e praticante do “fiat lex” (faça-se a lei). Que corrupção se enfrenta com esforço contínuo, dependente de instituições transparentes, autônomas e competentes, para começar.
Inspire. Pense em transparência, autonomia institucional e competência técnica. Expire. Agora pense em governo Bolsonaro. Aguarde os próximos capítulos.
Conrado Hübner Mendes, FSP 8.06.2022
CORRUPÇÃO BOLSONARISTA – CAP. 2
“Não basta matar, espalhar a fome e acabar com a democracia, é preciso ser corrupto. Os que toleram a morte, a miséria e o ataque às liberdades, mas não toleram a corrupção, e por isso dizem preferir Bolsonaro, está na hora de despertar do transe negacionista ou de disfarçar melhor o cinismo. A corrupção bolsonarista é profunda, multifacetada e longeva.
Essa série descreve os modos de apropriação privada do público na trajetória bolsonarista. Neste segundo capítulo, tratamos da pequena corrupção que, ao longo de 30 anos, de acordo com evidências, multiplicou os bens da família. Vai ficar mais grave nos próximos capítulos, mas comecemos pelo começo.
Bolsonaro representa fração da velha política patrimonialista que dedica 100% de sua carreira a parasitar o bem público para fins pessoais. Não tem ideias, proposta política ou visão de futuro. Nunca participou de qualquer projeto coletivo ou se mobilizou por qualquer causa.
Para além da retórica em defesa da ditadura, da tortura e da violência policial, que lhe rendeu votos mas não se traduziu em ato para melhorar vida de policiais, teve vida política inócua e preguiçosa. Não consta, como deputado, uma única realização digna de nota no processo legislativo. Foi se esgueirando pelas brechas da ilegalidade tolerada.
Um parasita político puro-sangue só quer enriquecer em paz. O poder é instrumento para se locupletar e, ao mesmo tempo, anteparo para dificultar investigação. Manter a corrupção no âmbito das verbas de gabinete e das transações imobiliárias se fez estratégia de menor risco. Conseguiu voar abaixo do radar enguiçado da Justiça por muito tempo.
Ir a cartórios de imóveis do Rio de Janeiro com malas de dinheiro é esporte praticado por membros da família desde os anos 90. No jargão cartorial, tudo feito em “moeda corrente, contada e achada certa”. Não foram duas ou três vezes, pelo prazer da aventura. Adotaram conhecido método para dificultar rastreabilidade do dinheiro. Os fatos abaixo foram relatados por inúmeras reportagens nos últimos anos.
Teria começado com a primeira esposa de Bolsonaro, quando levou R$ 96 mil ao cartório para adquirir imóvel em Vila Isabel. A segunda esposa comprou cinco imóveis, entre 2002 e 2006, movimentando R$ 243 mil em dinheiro vivo.
Em 2003, Carlos Bolsonaro pagou R$ 150 mil por imóvel na Tijuca. Seu irmão Flávio, em 2008, comprou 12 salas de escritório com R$ 86 mil, e em 2012 um apartamento em Copacabana por R$ 638 mil. Anos depois, Flávio recebeu, num único mês, 48 depósitos fracionados na sua conta bancária. Eduardo, em 2016, deu entrada de R$ 81 mil, adicionada de R$ 100 mil, por apartamento em Botafogo. Tudo dinheiro contado.
Flávio foi acusado de organização criminosa, peculato, lavagem de dinheiro e apropriação indébita. Nomes juridicamente mais precisos para a “rachadinha”, desvio de dinheiro público por confisco parcial do salário de servidores.
No contexto da Presidência paterna, o labirinto obscuro da Justiça brasileira o premiou. A partir da segunda instância do Rio até STJ e STF, uma série de decisões extravagantes sobre foro privilegiado e anulação de provas derrotaram esforços investigativos do Ministério Público.
Mas há fatos conhecidos que permanecem sem explicação. O Coaf, órgão que Flávio depois ajudou a esvaziar, identificou transações de R$ 1,2 milhão, entre 2016 e 2017, feitas por Fabrício Queiroz. Sua conta recebeu transferências de pelo menos sete servidores do gabinete de Flávio. Quatro funcionários do gabinete de Carlos, por sua vez, sacaram R$ 570 mil, maior parte de seus salários, do caixa eletrônico.
Quanto aos 27 depósitos de Queiroz na conta de Michelle Bolsonaro, que totalizaram R$ 89 mil, a Procuradoria-Geral da República preferiu pedir o arquivamento.
Flávio respondeu às suspeitas sobre a origem do dinheiro para aquisição de mansão de R$ 6 milhões em Brasília: sem especificar origem, o senador disse genericamente que foi sua atividade como advogado e empresário. No contexto da Presidência paterna, vai que o argumento cola.
A lista sintetiza um tipo de prática, não é exaustiva. Deveria ser suficiente, mas ainda piora. Espere os próximos capítulos. Ainda não chegamos no Poder Executivo.
CAPÍTULO 3
Todo governo corrupto pede ignorância, produz ignorância e depende da ignorância. Não há maior aliado da corrupção do que a ignorância.
Não só a cultural e voluntária, efeito de falta de oportunidade educacional e do desinteresse pelo mundo e pelo outro. Mas também da institucionalmente forjada.
A produção institucional da ignorância é política “pública” no governo Bolsonaro. Não é qualquer desvio localizado num ou noutro ministério, de um ou outro agente. Ela se fez o mais transversal programa de governo em vigor. Bolsonaro precisa que desconheçamos o país tanto quanto possível para que a corrupção seja insondável e infalível.
A prática oficiosa combina três ações: fechar informação por meio de sigilo —o estado de sigilo; destruir ou deixar de construir informação— o apagão de dados; fabricar desinformação e catapultá-la por canais fora do escrutínio público para perturbar o juízo e os afetos. Três formas de supressão da esfera pública e manutenção da ignorância. Essa vasta “arcana imperii” bolsonarista pavimenta a corrupção.
O tripé tornou-se abissal no governo Bolsonaro. Aqui um resumo.
Razões jurídicas para o sigilo são razões extraordinárias e sujeitas a controle. Devem ser imprescindíveis à “segurança da sociedade e do Estado”, segundo a Constituição. Bolsonaro as tornou ordinárias e isentas de fiscalização. Banalizou a exceção aqui também.
Sigilos centenários foram impostos para: acesso ao Palácio do Planalto de filhos do presidente, lobistas de armas e advogado de Bolsonaro; carteira de vacinação do presidente; encontros de Bolsonaro com pastores lobistas do MEC; absolvição de Pazuello. Alegou-se “informação pessoal”. “Em cem anos saberá”, ironizou Bolsonaro quando perguntado.
O governo também tomou iniciativas para restringir amplitude da Lei de Acesso à Informação e recusou publicidade a documentos sobre compra das vacinas Covaxin e Pfizer; encontro eventual do ex-ministro Sergio Moro com lobistas das armas; estudos sobre cloroquina; estudo da Fiocruz sobre uso de drogas; dados de desemprego; autuações e multas sobre crimes ambientais; documentos sobre as reformas administrativa e da previdência.
Gastos recordes com cartão corporativo presidencial também foram postos em sigilo. Para viagens governamentais, R$ 1 a cada R$ 4 em diárias e passagens ficaram em sigilo. Em 2021, o gasto representou R$ 170 milhões. E até matrícula da filha do presidente em colégio militar, sem ter feito prova de admissão a que todos se submetem, virou sigiloso.
Durante a pandemia, a batalha governamental contra a informação foi constante para dificultar a apuração do número de mortes e omissões da política sanitária. Um consórcio de imprensa foi montado para preencher o apagão governamental deliberado.
Além de bloquear informações essenciais à investigação de corrupção e à avaliação do desempenho governamental, o governo também instiga desconfiança, desfinancia e assedia funcionários de instituições que produzem informação e conhecimento. O adiamento do Censo, pelo IBGE, o ataque aos dados de desmatamento do INPE, as remoções de dados do Censo Escolar e do Enem pelo Inep são outros exemplos manifestos.
CAPÍTULO 4
Enquanto alguns se excitam no grito “abaixo Paulo Freire”, “por uma Escola sem Partido” ou “contra a ideologia de gênero”; enquanto alguns se masturbam nos gritos pela liberdade, segurança e soberania, pela “inocência das crianças” e pelo “povo armado não será escravizado”, sem receber nada em troca, outros enriquecem ilicitamente com dinheiro público.
O país distraído vai se deixando deseducar. Mal notou que a “guerra cultural” é coreografia que mascara corrupção. Ninguém sai mais livre, seguro e soberano. Muitos morrem por ação ou omissão estatal. Muitas crianças são abusadas no núcleo familiar sem escola ou serviço social que as socorra. Tem até juíza que tenta forçar criança grávida por estupro a parir.
Ricos e felizes, mesmo, ficam centrão, pastores da “rachadinha” e milicianos das periferias e das florestas. Sob a regência de Bolsonaro. A inversão ilegal de políticas públicas, assim como a produção institucional da ignorância, é prática consistente do atual governo.
O governo faz assim: nomeia ministro e equipe cuja missão é desentranhar a política pública; corta recursos, assedia e ameaça burocratas e fiscais independentes (veja livro “Assédio Institucional no Brasil”, organizado por José Celso Cardoso Jr.); e incita inimigos da política respectiva a delinquir sob a promessa de que sairão ilesos.
Um cupim agressivo passa a chefiar a pasta contra a pasta. Sem mudar a lei, às vezes adaptando regras executivas, às vezes na pura informalidade e intimidação, congela-se a política.
Bolsonaro caprichou em personagens tão vassalos e caricatos que facilitam a explicação. Weintraub e Ribeiro na Educação; Pazuello e Queiroga na Saúde; Salles no Meio Ambiente; um delegado de polícia na Funai; Frias na Cultura; Camargo na Fundação Palmares. Todos quase analfabetos ou militantes histriônicos contra a política do órgão, definida em lei.
Mas não só paralisam a pasta. Uma nuvem de gafanhotos invade os gabinetes para vender produtos mirabolantes aos cupins liberados para gastar dinheiro público. “Gabinetes paralelos” (leia-se reunião secreta de operadores privados não sujeitos a controle, em missão ilegal, como na Educação e na Saúde) se formam e redistribuem recursos disponíveis. Para amigos do governo.
Há muitos exemplos. Recursos são alocados na hiperprodução de cloroquina e impressão de Bíblias na gráfica de pastor. Verbas do MEC são oferecidas em troca de barras de ouro. Kits robótica são comprados para escolas sem papel higiênico.
Também se mobilizam recursos da burocracia para liberar tráfico internacional de madeira e ouro ilegal; para criar serviços ilegais de disque-denúncia contra monstros imaginários. Recursos do extinto Bolsa Família caem na conta bancária de militares.
A interrupção ilegal da política pública não é apenas, em si mesma, uma forma de corrupção. Tampouco é apenas uma forma de rasgar dinheiro público, de desperdício. Também não é só desobediência a dever constitucional sob o disfarce de combate a “viés ideológico”.
Antes de tudo, multiplica dutos para corrupção. Joga muito dinheiro no ralo e muito dinheiro no bolso. No varejo e no atacado. O orçamento secreto só veio a turbinar o mecanismo. Trataremos disso em outro capítulo.
Se a corrupção te importa, se te indigna o quanto a corrupção enriquece alguns num país com 25% da população na pobreza e 7% na extrema pobreza (fome), saiba que a inversão de políticas públicas essenciais custa múltiplos petrolões. Uma obra com assinatura bolsonarista e incomparável a qualquer governo anterior. E nada disso reduz a gravidade do petrolão, uma obra multipartidária que remonta pelo menos, veja só, aos anos 70.
Você pode até se recusar a acreditar nas evidências que pulam e gritam na tua frente. Integrar o time das marionetes da delinquência política brasileira é uma opção existencial. O ódio cego e surdo ajuda a dar direção a uma vida miserável. A “vida livre” que o transe bolsonarista te entrega.
As batalhas do espírito prestam serviço indispensável na espoliação de riqueza. O consórcio entre antiliberalismo religioso e liberalismo econômico bruto, ou o casamento libidinoso entre Damares Alves e Paulo Guedes, que busca suprimir liberdades elementares e qualquer ideia de bem comum, montou uma magnífica fábrica de corrupção. Às vezes, corrupção legalizada. No governo Bolsonaro, frequentemente nem isso.
Enquanto órfãos de Olavo fazem a dança do acasalamento hétero, exibem suas pistolas hétero e, num abraço hétero, riem da morte e multiplicam dispositivos causadores da morte (nas UTIs sem oxigênio, nas periferias urbanas, na Amazônia cedida à soberania do crime), parasitas ganham dinheiro. Jesus tá vendo.
Conrado Hüber Mendes
CAPÍTULO 5
Gilmar Mendes foi entusiasta da Lava Jato. Dizia na Fiesp que a operação teria descoberto “modelo de governança corrupta” e, “felizmente para o Brasil”, “estragou tudo”. Os missionários de Curitiba teriam desvendado a “cleptocracia”.
Após o impeachment, Gilmar trocou de lado e inverteu o alvo de xingamentos e liminares. A virada lhe rendeu título de trincheira do Estado de Direito, honraria graciosa dada pela advocacia também a Augusto Aras, outro ícone da “descriminalização da política”.
Artur Lira e Rodrigo Pacheco, presidentes da Câmara e do Senado, construíram um magistral “modelo de governança corrupta”. Dessa vez, secreto.
O segredo abre múltiplos túneis escuros de corrupção, além de reconfigurar, de modo inconstitucional, antirrepublicano e antidemocrático, a separação de Poderes, o jogo federativo e a competição eleitoral. Os adjetivos soam hiperbólicos. Mais hiperbólico é esse tatuzão.
Remodelou a relação entre Executivo e Legislativo, entre presidente da República e presidentes das Casas do Congresso; e também entre parlamentares e governos locais. E a possibilidade de lucrar com isso sem prestar contas e curtir a anonimidade.
O orçamento secreto é capítulo central da corrupção bolsonarista. Criou laço de reciprocidade e mútua dependência entre a parcela mais venal e parasitária da política brasileira e Xxxx Xxxxxxxxx.
Estrutura uma permuta: para evitar impeachment, delinquir sem consequência e disputar reeleição ameaçando ignorar as urnas, parlamentares do centrão recebem poderes como nunca para negociar recursos pelas prefeituras do país, garantir sua reeleição e com liberdade de colocar recurso no próprio bolso.
Reportagens impressionantes de Breno Pires, no Estadão e na Piauí, a partir de 2021, radiografaram o mecanismo: Lira e Pacheco, empoderados, negociam apoio com cada parlamentar e premiam os disciplinados com quantias não sabidas.
Com esses recursos, o parlamentar pode bater à porta, por exemplo, de prefeituras e oferecer recursos em troca de contrapartidas. Entre as contrapartidas, às vezes, está a chamada “volta”, ou seja, o retorno de parte do dinheiro para o bolso do parlamentar.
O último texto de Breno Pires descreveu remessas recordes de dinheiro para municípios minúsculos do Maranhão, onde se falsificam consultas e exames no setor de saúde. Depois do escândalo dos tratores, das máquinas agrícolas e dos fundos de educação, é urgente aprofundar investigação do que se passa no SUS.
O STF foi chamado a intervir nessa turbina nuclear do clientelismo. Cobrou transparência. Suas ordens continuam ignoradas. O Congresso simula obediência pela publicação de planilhas obscuras que não revelam valores destinados a “usuários externos”. E esses usuários desconhecidos levam parte significativa dos recursos secretos.
FSP 13.07.2022
CAPÍTULO 6
Victor Nunes Leal, maior ministro da história do STF, escreveu “Coronelismo, Enxada e Voto”, clássico de interpretação do Brasil. Militares não suportavam sua inteligência jurídica e seu desprezo à delinquência armada. Foi sequestrado por sargentos revoltosos em 1963 e aposentado na marra pelo AI-5 em 1968.
O livro de Nunes Leal descreveu o sistema eleitoral corrupto da primeira República, fundado na barganha entre o poder privado local, do coronel, e o poder público central. Vitórias eleitorais dependiam da pobreza, da força bruta e do dinheiro. A representação política resultante, baseada no mando e na obediência, retroalimentava o sistema patrimonialista.
Eleições no Brasil tornaram-se gradualmente mais competitivas e democráticas a partir de 1988. Mas Xxxx Xxxxxxxxx veio para resgatar nossa pré-modernidade eleitoral à máxima potência. Todos os seus atos na disputa eleitoral reavivam a tradição do consórcio entre poder privado rudimentar e um governo incivil e insubmisso à lei. Com tecnologia do século 21.
Andreas Schedler, especialista sobre autoritarismo eleitoral, descreve o “menu de manipulação” usado por autocratas. Entre outras coisas, eleições “justas e livres” precisam prevenir a intimidação do eleitor, a compra do voto e a tutelagem do processo. Além de proteger a capacidade de cidadãos conhecerem as alternativas.
O autocrata brasileiro corrompe cada um desses pilares da alternância democrática.
Primeiro, o Secretão deu ao governo ferramenta de compra de voto de parlamentares venais. Até da oposição. Assim conseguiu aprovar reforma constitucional extravagante no seu conteúdo e no seu procedimento (PEC Kamikaze). Violou princípios de integridade eleitoral e do processo legislativo. Com o Auxílio Brasil, distribui feijão a quem tenta sobreviver, mas só até dezembro. E distribui prata para quem tem poder de ajudar o governo.
O auxílio, justificado sob pretexto jurídico espúrio da “emergência”, não serve para tirar ninguém da pobreza. Almeja que o pobre faminto sobreviva para votar. Não faz política pública, não constrói ponte para o desenvolvimento nem abre horizonte para que cada um escolha como viver. O miserável planeja, quando muito, onde buscar comida no dia seguinte. O governo lhe oferece uma fila da sopa. Depois de dezembro, nem isso.
Segundo, Xxxxxxxxx promove ataque diuturno às urnas, ao TSE e ao STF. Deslegitima a competição que ele venceu no passado e pretende disputar nesse ano. Não tem prova nem convicção sobre qualquer fraude, apenas medo de perder e interesse de continuar onde está.
O assédio leva ao limite da resistência a governança eleitoral. O TSE, diante da marginalidade serial, sequer teve força e coragem de concluir inquérito que apura ataque às urnas. E prepara segurança de guerra para sobreviver, mais uma vez, ao 7 de setembro insuflado pelo candidato cuja elegibilidade segue de pé. O que dizer da ilicitude da reunião com embaixadores, onde avisou que eleição no Brasil não merece ser respeitada?
Terceiro, faz campanha que customiza desinformação e ódio em disparos massivos por via digital. E ainda financiado por recurso não sabido nem declarado. Passou impune em 2018, não tem razão para fazer diferente em 2022. Daí seu incômodo com as modestas medidas tomadas por Telegram e Whatsapp para mitigar a prática.
Xxxxxxxxx nos empobreceu: derrubou PIB per capita de US$ 9150 para US$ 7500 e a renda média do brasileiro. Pobres pagam 2000% a mais de imposto de renda em razão da simples falta de correção da tabela do IR. Extinguiu programa alimentar, 33 milhões de pessoas passam fome. Pandemia e guerra não explicam a magnitude da tragédia, mostram economistas.
Xxxxxxxxx nos embruteceu: não bastasse a cultivada indiferença às mortes da pandemia, multiplicadas por ostentatória omissão estatal, armou “maioria de bem” para lutar “contra o mal”. O “bem” já está matando.
Xxxxxxxxx achatou nossa liberdade: todos os índices globais de erosão democrática destacam o Brasil no topo. Sem exceção. Mas o liberticídio continua a ser defendido, veja só, em nome da liberdade. Não exatamente a sua liberdade, eleitor.
O projeto de empobrecimento, embrutecimento e autocratização seria, para muita gente, recompensado com o fim da corrupção. Como se corrupção diminuísse com aumento do PIBB, o Produto Interno da Brutalidade Brasileira.
A corrupção está aí, vitaminada, remoçada. Contamina essas eleições como nenhuma outra desde 88. Xxxxxxxxx empenha orçamento contra a democracia e o autogoverno coletivo. Depende do dinheiro, da força bruta e da pobreza esse novo coronelismo. Como o velho.
O papel das Forças Armadas na corrupção bolsonarista? Terá capítulo só seu.
CAPÍTULO 7
Malandro não vacila. As Forças Armadas do Brasil se habituaram a invocar a “honra institucional” para ameaçar e processar críticos. “Honra institucional” não é bem jurídico tutelado em regimes liberais. Honra é direito individual, não atributo de instituição republicana. Mas é bem primário reivindicado por instituições autoritárias. E armadas, nesse caso.
A respeitabilidade de uma instituição costuma ser inversamente proporcional ao quanto desfila virtudes, esconde vícios e dribla controle. O orgulho-ostentação da magistocracia e da milicocracia se exibe de graça e amiúde. Enquanto conservarem rituais declaratórios de autoimportância, permanece seu ridículo ético e estético. Sem falar da deformidade jurídica.
A legalidade das práticas das Forças Armadas é inversamente proporcional ao quanto essa instituição subordinada aos três Poderes ventila opiniões jurídicas de sua lavra para confrontar decisões do mais alto tribunal do país. E a defender intervenção nesse tribunal. Juristas da era pré-constitucional oferecem apoio. Sobra bibelô jurídico na história da violência.
Nenhuma instituição é imune à corrupção. Sargento traficante de drogas que aproveitou voo da FAB sete vezes para vender cocaína no exterior pode ser só um militar corrupto. Há instituições, contudo, em que a corrupção funcional habita sua estrutura e ethos compartilhado. Caso das Forças Armadas. Por trás da retidão fake se encontra outra coisa.
Milicos têm a ver com todos os capítulos anteriores: em vez de “rachadinhas”, generais de governo fazem dobradinhas (teto salarial vezes dois); useiros do sigilo arbitrário de 100 anos; militantes na guerra cultural lucrativa, com mais ênfase no heroísmo moralista que no messianismo religioso; coautores do orçamento secreto; coprotagonistas no ataque à integridade das eleições.
A conexão entre corrupção militar e salnorabista, portanto, é de diversas ordens. Vai além do ex-militar eleito presidente, remunerado desde sua expulsão disfarçada de exoneração voluntária. E hoje beneficiário da dobradinha, não bastasse tradição familiar da “rachadinha”. Esse “mau militar” (Geisel que disse) foi o trampolim para generais voltarem à baixa política. Assim se fizeram pedra fundamental no obelisco da corrupção salnorabista.
Há duas variantes da corrupção fardada: a dinheirista e a institucional (legalizadas sob a mira de fuzil, ou ilegais mesmo). Militares se locupletam, mas também estrangulam instituições.
“Quem gritar pega centrão, não sobra um meu irmão”, cantava Heleno em comício eleitoral. Quando a cúpula militar vira centrão armado, quem é o ladrão?
A mitologia de instituição incorruptível e de ditadura sem corrupção compõe a fantasia forçada por milicos. Se Petrobras e Odebrecht te lembram só da Lava Jato, leia o livro “Estranhas Catedrais – As Empreiteiras Brasileiras e a Ditadura Civil-Militar”, de Pedro Campos. Os alicerces da corrupção em águas profundas daquele tempo, porém, eram sigilosos.
Sua potência espoliatória e arrecadatória não se resume a superfaturamento de viagra nem a superprodução de cloroquina; a militares empresários com preferência em contratos públicos; a compras suspeitas de vacina na pandemia; a escolas cívico-militares e seus “bônus de oficial da reserva”. Aparece nos aumentos recordes e injustificados de salário e orçamento.
Mas há algo mais grave: militares inventaram lugares institucionais espúrios. Como se fossem intérpretes constitucionais últimos, tentam assumir função de “poder moderador” e de âncora do processo eleitoral. Ilusionistas, viraram governo, mas se vendem como instituição de estado. Ainda buscam ampliar competência da Justiça Militar (formada por ignorantes em direito) para julgar civis, caso de outra omissão do STF.
Esse travestimento constitucional se beneficia de outra mitologia: a da hegemonia de legalistas sobre os “não tão legalistas” na caserna. Os legalistas ainda não se apresentaram.
A instituição nunca aceitou transição para a democracia nem se democratizou. Entende hierarquia de cima para baixo e rejeita controle civil. Sua cultura subletrada confunde democracia com comunismo e comunista com dissidente. O currículo das escolas de guerra combate esse inimigo. E querem substituir escolas públicas pelas suas (bônus no salário).
Forças Armadas, na Constituição, não são sócias nem gerentes do clube dos três poderes, mas funcionárias. Funcionárias com dever de recato: recato com dinheiro público, com suas armas, com seus modos e palavras. Mas cuidado: a autoestima militar tortura, mata e desova corpos na ponta da praia. Tem sido, na história, sua “legítima defesa da honra”.
Se “inteligência militar é uma contradição em termos”, ironizava Charteris, a corrupção militar não é.
A aliança entre militarismo e milicianismo na corrupção salnorabista? No próximo capítulo.
CAPÍTULO 8
Sabe-se há 30 anos que não há proposta de Salnorabo para o Brasil que não namore a morte. Desde “matar uns 30 mil” até autorizar polícia a chacinar pobre sem satisfação nem luto: seu repertório se bastava nisso. Deus e “kit gay” vieram depois, quando atinou virar presidente e abraçou comerciantes da religião. Encontrou um Deus com sanha arrecadatória.
Demos pouca atenção a outra ideia que se deixava ofuscar pelas propostas de morte: a “legalização das milícias”. Se procurar texto do cérebro bolsonarista que explique a iniciativa, encontrará falas parlamentares de Jair e Flávio. E muito jornalismo declaratório que citava discursos, mas não indagava sobre o conceito.
Flávio resumiu: “As classes mais altas pagam segurança particular, e o pobre, como faz para ter segurança?” A Constituição promete direito à segurança pública. O bolsonarismo oferece arma e milícia. Se miliciano cobrar “tarifa”, o bolsonarismo legaliza o pagamento isento de imposto. A vida miliciana está aberta a empreendedores. Dispensa concurso.
Depois de anos de governo, confirmamos que legalizar milícias não significa trazê-las para dentro da lei, no sentido formal de “legalizar”. Legalizar aqui sugere “deixar rolar” na informalidade onde o Estado de Direito não entra. Entra milícia extorquindo e tacando terror em inadimplentes. Chega polícia disparando “bala perdida”, a metáfora macabra da irresponsabilidade estatal.
O contrato miliciano estrutura entidade paramilitar, parapolicial, parajurídica. Paira além da lei.
O que mais liga a corrupção bolsonarista a milícias? Não apenas a família que operou negócios com milicianos desde pelo menos 2007. O business abrangia construções em área de soberania miliciana, gabinetes povoados por Queiroz, esposa e filhas; Adriano da Nóbrega, esposa e mãe. “Rachadinhas” lubrificavam esquema de ascensão patrimonial familiar.
A Presidência abriu outra etapa. Com caneta para afrontar o legislador, o governo editou normas jurídicas em série para esvaziar a lei do Estatuto do Desarmamento. “Fomos ao limite da legalidade”, disse Jair, consciente da usurpação.
As normas, por um lado, ampliaram possibilidades de aquisição de armas e munições; por outro, dificultaram rastreamento e identificação. E liberaram geral para auto declarados “caçadores, atiradores esportivos e colecionadores” (CACs). O exército de CACs já supera o número de policiais e de militares no país.
Vendido como pacotaço da liberdade, o programa faz outra coisa com a chancela das Forças Armadas: facilita escoamento de armas para milícias e tráfico, e reduz capacidade estatal de investigar e resolver crimes com arma de fogo.
PCC e Escritório do Crime ganham armas “legais”. Empresas de arma, que têm Eduardo Salnorabo como lobista e garoto-propaganda, ganham dinheiro. Receita da Taurus subiu mais de 200%. Glock, Sig Sauer e Caracal também respiram hoje com mais “liberdade” por aqui.
O que fez o STF? Fachin e Weber deram liminares relevantes, mas limitadas. Toffoli e Fux, presidentes, aceitaram malandragens revogatórias de regras em véspera de julgamento e reedições subsequentes. Caíram no drible da vaca (ou fraude processual). Moraes demorou, mas votou em ação que há 10 meses dormita na gaveta kassiana. E Kassio é CAC.
O que se pode dizer sem erro: entre omissões, demoras e obstruções, STF é responsável por não conter o acelerado processo de armamento. Suspendeu algumas regras, outras centrais seguem vigentes. Exemplo: civis autorizados a comprar 180 mil balas e 60 armas (mas só 30 fuzis…) sem provar necessidade.
Poderíamos discutir quão mais inseguros e menos livres estamos com a proliferação de CACs e fuzis de guerra. Mas esse texto trata de corrupção, não de segurança. Salnorabo pede grito por liberdade e legítima defesa. Não contou sobre dinheiro do crime organizado, do tráfico e de fabricantes de armas. Disfarça corrupção com filosofia política masturbatória e hipnótica.
A “República das Milícias” (livro de Bruno Paes Manso) não é república, pois coisa pública não há. Espolia e violenta comunidades periféricas na cidade, no campo, na floresta. A corrupção estará armada “legalmente” enquanto durar a cumplicidade do STF.
“Um povo armado não será escravizado”? “A verdade vos libertará”? O que se sabe é que povo idiotizado sequer notou quem lucra com isso. E quem morre. Entorpecido pela política do pânico e circo, não percebe que o contrato miliciano enriquece seus sócios. Dessa sociedade anônima e sangrenta a família presidencial é acionista.
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Corrupção bolsonarista, capítulo Aras – Por Conrado Hübner Mendes na Folha de S. Paulo
Augusto Aras se tornou a encarnação nua e sebosa de omissão do sistema de justiça. Ao lado de Artur Lira, senhor do Secretão e da degradação do processo legislativo, forma a dupla de bloqueio do novo coronelismo brasileiro.
Corrupção precisa de omissão. Esta é, em si mesma, um tipo clássico de corrupção institucional. Sem Aras e os seus, não haveria Salnorabo elegível e atrás de reeleição.
O procurador-geral da República reputa trocadilho irônico com o P de PGR crime contra sua honra. Mas foi ele, Augusto, quem achincalhou sua imagem. Conquista sua. Deu até ordem para polícia interceptar no aeroporto professor que lhe fez indagação jocosa na rua de Paris. Não tem autoridade para isso, exceto no porão da ilegalidade. Aras tem alergia ao chiste. Empoderado, deu nisso. Reservou assento VIP na história da infâmia.
Caricatura do “homo bacharelescus”, tipo sociológico arrivista e amoral, Aras forja tese jurídica em troca de nota promissória para cargo futuro. Como suas teses burlescas sobre liberdade, que nunca fixaram um único limite ao que um presidente particular pode fazer. Limites só para quem desabona suas luzes.
A nota promissória de Salnorabo foi a cadeira no STF. Não pagou. Uma colaboração premiada sem prêmio no final. Depois da traição, restou a Aras não se sabe o quê. Talvez o silêncio da advocacia progressista por autodeclaração, que o cortejou.
Ou a camaradagem do ministro do STF que organizou livro em sua homenagem, mas não se deu por suspeito para relatar investigação contra o homenageado e sua vice. Ou o abraço hétero de Jair. Ou um pirulito de consolação.
Esse “homo bacharelescus” tem seu tique de expressão corporal e verbal. Em vez de análise jurídica, expele slogans com olhar circunspecto e resoluto. Nunca deu explicação para o mantra da “descriminalização da política”. Mas por meio desse non sense jurídico justificou trancamento da instituição de controle da delinquência presidencial. E criminalizou o trocadilho.
Aras sabe “a cor da unha que vai pintar, o sapato que vai calçar”. É símbolo de outra faceta da corrupção bolsonarista: menos investigação, menos crimes de corrupção. A epítome chamada Augusto amaciou caminho para cada prática narrada em capítulos anteriores. Ainda impede investigações contra si, persegue procuradores que o contrariam e ameaça parlamentares que lhe engordam de representações criminais. Ainda processa e cala críticos. Não faz nem deixa fazer.
Foi pedra angular da catedral. Errou quem disse “Poste”.
Uma forma de “fazer sumir” a corrupção é decretar sigilo e apagar (ou deixar de produzir) dados (capítulo 3). Aqui trato de um anabolizante: a neutralização de instituições de controle. Há inteligência na arquitetura da omissão que o presidente e Aras botaram de pé: “não tem o que investigar aqui, não fizemos nada errado”, resumiu Jair.
São prodigiosos os casos de inércia da PGR reportados pelos jornais. Para começar, o gosto pelo segredo: protege decretações arbitrárias de sigilo pelo governo além de fazer gestão opaca e tornar PGR um poço escuro.
“Apurações preliminares”, truque forjado para evitar inquérito e driblar supervisão do STF, das quais engavetou mais de centena, tramitaram sob sigilo. Nem ministros do STF sabem do teor arquivado.
Documentos públicos da CPI da pandemia, Aras tornou sigilosos. E enterrou.
Mas quando Salnorabo vazou documentos sigilosos do TSE sobre ataque a urnas, Aras chancelou. Defendeu, veja só, a publicidade. Sua gestão processa procuradores da república do Rio por terem dado, ora ora, publicidade à denúncia de corrupção. O assédio a procuradores é seu jeitinho de lidar com a dissidência. A incoerência é seu jeitinho de brigar com a inteligência.
Aras arquivou caso da demora da vacina infantil. Crianças morreram pelo atraso. Corrupção da Covaxin? Arquivada. Salnorabo, Pazuello et caterva na pandemia? Arquivado. Agora cozinha arquivamento do caso do ouro bíblico no MEC.
Arquivamentos, quando não decorrem da alegação de falta de prova, podem fazer “coisa julgada”. Dificultam investigação futura e semeiam anistia geral da torrente criminosa.
Lira, seu parceiro gatekeeper, construiu com Salnorabo uma relação ganha-ganha. Menos atilado, Aras conseguiu a façanha do ganha-nada, a proeza do só-perde. E sua vassalagem catapultou a “impunidade de rebanho”, como disse Jamil Chade.
Outros atores também galvanizam a corrupção que Aras sintetiza. As interferências presidenciais, por meio de nomeações e intimidações, na Polícia Federal, no Coaf e em todo o edifício da fiscalização ambiental (que deixou de multar criminosos) entram nessa categoria.
Quando Aras bate na mesa e parte para cima de colega, por quem a mesa de Aras dobra? Não dobra por ti, patriota.
Conrado Hübner Mendes
Professor de direito constitucional da USP, é doutor em direito e ciência política e membro do Observatório Pesquisa, Ciência e Liberdade – SBPC
FSP 10.08.2022
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Publicado em: 11/07/22
De autoria: Eduardo Carli de Moraes
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